Alfama, Lisboa: Museu sim, mas não aqui!
Desde 2016, quando foi divulgado o local escolhido -- o Largo de S. Miguel, no coração de Alfama, um dos bairros mais tradicionais de Lisboa,-- o projeto de construção dum museu do judaísmo tem encontrado grande resistência por parte da população local, que nunca chegou a ser ouvida. Quando algumas das associações agregadas pelo Fórum do Património se interessaram pelo assunto, tornou-se evidente que, ao promover a construção de dois edifícios cuja leitura exterior e em perspetiva, seria completamente dissonante dos prédios vizinhos, o projeto colocava em risco o caráter e a autenticidade do bairro, dado que punha claramente em causa a unidade de conjunto do Largo de São Miguel e do Beco da Cardosa. Em termos concretos, estando Alfama protegida pelo Plano de Urbanização do Núcleo Histórico de Alfama e da Colina do Castelo (PUNHACC), esperar-se-ia que fosse respeitado o requisito segundo o qual "nas intervenções por edifício, em trabalhos de reabilitação ou reconstrução, deve ser mantida a tipologia, utilizando os mesmos materiais, ou compatíveis, não sendo permitidas alterações que desvirtuem as características fundamentais dos edifícios a nível morfológico e construtivo" (...) "as intervenções no tecido edificado devem (...) garantir a preservação dos elementos arquitetónicos e patrimoniais, evitando-se a sua substituição, potenciando e reforçando a imagem singular desta área histórica" ou "As intervenções no âmbito da conservação e reabilitação devem ter por base o edifício (...) utilizando os mesmos materiais da envolvente ou materiais que nela se enquadrem".
O PUNHACC prevê, no entanto, exceções à regra, nomeadamente quando o projeto se reveste de interesse turístico excecional, que foi o argumento invocado neste caso.
Sem se oporem à existência do museu, as associações entenderam que estas exceções à regra não podem ser invocadas de forma discricionária, sem escrutínio e sem critérios bem definidos, desrespeitando o PDM e a regulamentação urbanística em vigor.
As ONG do Património defenderam que se podia adaptar o programa museológico e museográfico a outros edifícios existentes, propriedade da câmara e do Estado, que precisam de recuperação urgente e poderiam ser reabilitados e utilizados para o efeito.
Esgotado o diálogo, a Associação do Património e População de Alfama (APPA),
interpôs uma providência cautelar junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que se pronunciou desfavoravelmente. Porém, em junho de 2018 foi aceite o recurso da associação para o Tribunal Central Administrativo do Sul (TCA), que entendeu que a câmara, ao autorizar as demolições necessárias à construção do museu, tinha violado as regras urbanísticas criadas por ela própria, uma vez que as ditas demolições não tinham devidamente justificadas por vistoria municipal prévia nem se enquadravam em nenhum dos casos previstos no PUNHACC. Posteriormente, foi a vez do Supremo Tribunal Administrativo rejeitar o recurso interposto pela Câmara Municipal de Lisboa e a Associação de Turismo de Lisboa contra a decisão proferida em segunda instância, alegando uma pretensa "inutilidade superveniente da lide", uma vez que ela própria tinha já demolido os edifícios e que, ponderados os interesses em conflito, o da construção do museu era o mais relevante.
Falta agora conhecer o desfecho da ação popular principal interposta pela APPA, que visa anular todo o processo. Só quando for proferida decisão judicial se ficará a saber definitivamente se o museu é ou não construído naquele largo e, se sim, em que condições.
A APPA defende que deve ser escolhido outro local para o museu, destinando à construção de um edifício para habitação permanente o lote devoluto do Largo de São Miguel.